Assisti todos os programas de rugby da Netflix pra que você não precise fazer o mesmo (mas talvez deva?)
Dizem que não se deve ir ao shopping ou supermercado com fome e sem uma lista de compras. As chances de você comprar junk food por impulso são enormes. A verdade é que somos muito menos racionais do que gostaríamos de crer. Um instinto primitivo toma conta de nossas ações e, de repente, você se vê botando pra dentro algo que só poderia ser chamado de comida com muita leniência, algo altamente calórico que te dará um pico de glicose sem praticamente nenhum benefício nutricional.
Um tempo atrás eu estava “com fome” de assistir algo. Tinha terminado de assistir algumas séries legais, e estava sem ideia do que assistir na sequência. Acabou que passei um bom tempo sem assistir nada. Veio então a tal “fome”, e com ela um instinto primitivo. Lembrei que não muito tempo antes a Netflix havia me alertado para o lançamento de uma série sul-coreana de rugby, e apesar de jamais ter despertado muito interesse pelo esporte, algo nele me chamava a atenção: coxas.
Por sua natureza, o rugby é jogado por algumas das pessoas com as pernas mais estonteantes do planeta, e com shorts minúsculos para não serem agarrados. Ver aqueles ursões correndo com pernas com a circunferência da minha cintura basicamente me transforma no meme do macaquinho do “neuron activation”. Um instinto irracional e primitivo toma conta de mim. Joguei a palavra “rugby” na busca, e encontrei o tal do dorama sul-coreano, chamado A Jogada da Vitória. Porém, notei a etiqueta “novo episódio”, o que indicava que a série ainda não havia sido lançada por completo. Ao lado dela, notei outros programas sobre rugby dos quais eu jamais havia ouvido falar. Por algum motivo a Netflix Brasil sequer teve o trabalho de ao menos subir os trailers no YouTube! Um deles – também um dorama, mas japonês – chamado Gerente em Campo. Pensei (mas não racionalizei): por que não? Trata-se de uma série curta, com apenas 10 episódios. Eu não esperava nada além de ver algumas coxas e panturrilhas roliças, e a série, que começou despretensiosa, me prendeu de um jeito como poucas até hoje conseguiram. E não foi pelas pernas, eu juro!
Gerente em Campo conta a história de Hayato Kimishima, um funcionário exemplar de uma fabricante de automóveis chamada Tokiwa Auto, que está prestes a fechar a compra de uma empresa do ramo petrolífero. Kimishima, porém, sente o cheiro de algo estranho no ar, e se recusa a assinar um documento referente a aquisição, o que o coloca em confronto direto com um jovem e ambicioso executivo que lidera todo o processo de fusão, o qual ele enxerga como um trampolim para a presidência do conglomerado, já que o atual presidente está prestes a se aposentar. Como represália, Kimishima se vê expulso da sede da empresa, sendo relegado a se tornar gerente-geral da fábrica de automóveis. Em vez do ar-condicionado e cadeiras confortáveis na sede, agora ele teria de lidar com o chão de fábrica. Em vez do distanciamento da letra fria no papel, berros bem reais na sua cara. Kimishima também descobre que além da fábrica, também se tornara responsável pelo time de rugby da empresa, formado em grande parte por peões da fábrica. Humilhado, Kimishima mira em retornar para a sede, e pra isso ele pretende fazer reformas operacionais e eliminar gastos. Talvez se mostrasse um trabalho de excelência, ele seria novamente aceito entre a elite do conglomerado. E uma das primeiras medidas que Kimishima decide tomar, é o completo encerramento do time de rugby, que além de não gerar lucro, é um verdadeiro saco de pancadas. O que Kimishima não esperava, porém, é que relações humanas são muito mais impactantes do que gráficos e planilhas. De repente ele se vê envolto num turbilhão de demandas, se embrenhando num labirinto de poder e corrupção que gera reviravolta atrás de reviravolta, cujo time que ele pretendia eliminar se torna sua tábua de salvação, fazendo a série parecer ter bem mais do que seus meros 10 episódios, mas sem parecer corrida! Uma verdadeira aula de roteiro, que conseguiu me fazer sentir raiva, torcer, vibrar, me arrepiar e até chorar! Tenho vergonha de dizer que eu não esperava nada de uma série que me entregou o mundo!
Se a intenção era fazer o espectador se interessar pelo esporte, Gerente em Campo teve sucesso, pelo menos comigo. Na sequência, parti então para algo diferente: um reality show chamado Rugby: Vencer ou Morrer. Nele, sete times da Coreia do Sul se enfrentam, primeiro em provas em uma arena dentro de um enorme estúdio, e depois em partidas reais no estilo mata-mata em estádios. Assim como no Japão, o rugby na Coreia do Sul é um esporte amador. Não há sequer prêmios em dinheiro para o campeão nacional, e os jogadores vivem vidas bastante modestas. Mas se parecer bonito para as câmeras não for incentivo o bastante, a produção de Rugby: Vencer ou Morrer ofereceu um prêmio de 300 milhões de wons ao time vencedor, para deixar as coisas mais interessantes. Confesso que assisti com interesse do começo ao fim, mas acho que o formato poderia ser melhor. Como as partidas não são transmitidas ao vivo, não faz muito sentido exibi-las quase que na íntegra. Acho que um pouco de entrevistas, acompanhar a vida cotidiana de alguns jogadores, encontrar narrativas empolgantes, e mostrar apenas os melhores momentos das partidas tornaria o programa bem mais dinâmico e interessante. A mania da TV sul-coreana de repetir a mesma cena por três ângulos diferentes e mescladas com as reações de todo mundo em volta também é um pouco irritante. De todo modo, foi divertido de assistir, há momentos feel good, resultados inesperados, reviravoltas, e mesmo falhando em roteiro (sim, mesmo um reality show deve ter um roteiro!), a série conseguiu fazer eu me afeiçoar pelos jogadores e times. Esses brucutus conseguem ser fofos e cativantes...
Após os 10 episódios de Gerente em Campo e dos 14 de Rugby: Vencer ou Morrer, notei que A Jogada da Vitória já estava completa no catálogo, então pulei direto pra ela. E qual foi a minha decepção ao descobrir que se tratava de uma série escolar… Confesso que pensei em abandonar, mas àquela altura eu já havia me decidido a escrever este texto. Então decidi aturar, o que se mostrou uma decisão acertada, porque assim como em Gerente em Campo (série com a qual compartilha algumas semelhanças), A Jogada da Vitória também começa despretensiosa, e quando você vê…
ABSOLUTE CINEMA!
Assim como na série japonesa, eu me peguei quase sem fôlego torcendo por alguns personagens, e xingando outros. Apesar de não ser tão redondinha quanto Gerente em Campo, e de muitas vezes até parecer um pouco forçada, eu diria que os pontos altos de A Jogada da Vitória são até mais altos que os de Gerente em Campo! Nela, o rugby praticamente não aparece. O protagonista é Ju Ga-ram, um ex-craque da seleção sul-coreana, que caiu em desgraça após ser pego num exame antidoping. Ga-ram desaparece por três anos, mas reaparece para treinar o também em desgraça (e prestes a ser encerrado) time de rugby da escola Hanyang. Ga-ram é tratado como um leproso, um viciado; nem seus pares, nem seus alunos o respeitam. O que a princípio parece uma historinha de um homem tentando reconquistar a confiança e admiração das pessoas ao seu redor, se torna algo bem maior e mais profundo, com os personagens se vendo envolvidos em tramas dentro de tramas dentro de tramas, com muita corrupção, violência, superação, dramas pessoais, risco de vida, sangue, suor e lágrimas. Com todos os seus defeitos, eu amei essa porcaria desse dorama! Aliás, achei interessante ver um time que se destacou em Rugby: Vencer ou Morrer reaparecer aqui! Foi quase como se as duas séries se conectassem.
Depois, parti para Seis Nações: Acesso Total. Quem assistiu F1: Dirigir para Viver, vai achar o formato familiar, porque é basicamente o mesmo. Trata-se de uma série documental que acompanha o dia a dia de times e esportistas em suas jornadas através de um campeonato. Se nas séries asiáticas vemos como o rugby é um esporte de nicho e basicamente amador, onde se destaca com orgulho meros dois mil espectadores na final de Rugby: Vencer ou Morrer, no Seis Nações se vê o rugby no seu mais alto nível. Estádios para 90 mil torcedores completamente lotados, um público ensandecido, jogadores no ápice da performance física, grana e seleções de primeiríssima linha. Trata-se de uma das competições mais importantes do rugby, e uma das antigas do mundo, um campeonato envolvendo Escócia, País de Gales, Irlanda, Inglaterra, França e Itália. Mas foi aqui que eu notei algumas coisas que destoaram um pouco da ideia que foi construída do esporte até então.
Dizem que o futebol é um esporte de cavalheiros jogado por baderneiros, enquanto que o rugby é um esporte de baderneiros jogado por cavalheiros. É um esporte violento e perigoso. Se no futebol é comum o jogador fingir estar machucado, no rugby acontece o oposto: finge-se não estar ferido para continuar jogando. Se no futebol americano os jogadores usam armadura e capacete, no rugby a armadura é a própria musculatura do jogador, e o capacete não passa de uma fina proteção de cabeça opcional que poucos jogadores usam, isso quando a proteção não passa de uma faixa de gaze presa com fita adesiva cujo único propósito é evitar que a orelha do jogador caia. Apesar da rivalidade, fala-se muito na irmandade entre os jogadores, e no conceito de no side, quando ao final da partida os jogadores deixam de agir como oponentes e passam a demonstrar respeito e apreço pelos adversários. Apesar das inúmeras pancadas e dos corriqueiros machucados e sangramentos, existe uma preocupação com o próximo, e uma espécie de gentileza bruta. É digno de nota o respeito que esses brutamontes dispensam ao juiz, por exemplo, jamais questionando suas decisões. Mas em Seis Nações isso se perde um pouco, e talvez por isso eu tenha gostado menos dessa série do que de Rugby: Vencer ou Morrer, apesar do formato e roteiro superiores. Notei algumas cenas de violência descabida, contestação de decisões de juízes (embora pífio se comparado aos absurdos que rolam no futebol), um pouco menos de camaradagem, e até exibição de riqueza obscena por parte de um jogador específico e vibes de influencer de Instagram que me causaram certo asco. Das quatro séries, a europeia foi a que menos me agradou, embora eu não me arrependa de ter assistido. Achei a segunda temporada um pouco melhor que a primeira, aliás.
No fim, se tiver de recomendar algo, eu recomendaria assistir os dois doramas, Gerente em Campo e A Jogada da Vitória. Achei elas realmente muito boas e extremamente divertidas! Se puder, dê uma chance! Você provavelmente também deve gostar!
Se você estiver a fim de assistir algo que envolva muita competição mas com um pouco de leveza, recomendo também Rugby: Vencer ou Morrer. Eu me diverti assistindo! Agora se o seu interesse for ver o rugby no seu mais alto nível, mergulhando mais a fundo na vida dos jogadores e no dia a dia dos times, Seis Nações é pra você.